É preciso muita firmeza para não se apegar as contradições e não desistir de construir no meio do caminho | Carta a vovô entre viagens #5

Andresa Costa
4 min readOct 1, 2023
Foto: acervo pessoal (conune 2023)
foto: Andresa Costa (arquivo pessoal)

Leia ouvindo: Primavera — Don L, part. Rael e Giovani Cidreira

Querido vovô, dessa vez te escrevi mentalmente e alguns trechos se encontram no meu diário, mas escrever num ônibus em movimento e sem celular é uma tarefa bem complicada. Sim, já desapeguei de ter uma letra perfeita nos diários, mas preciso no mínimo de uma legível para deixar meus pequenos tesouros e recortes da memória para Dandara (pretendo dar meus diários e cartas para ela um dia, quando chegar a hora certa).

Não lembro se te contei, mas durante a pandemia um amigo muito próximo na época e que construía o Levante na época, foi pai e tive o privilégio de me aproximar da companheira dele na época, fotografei Dandara antes dela nascer, quando Duda estava entrando no processo de trabalho de parto. Foi um período muito difícil aquela época eu e Sofia morávamos juntas, estávamos no nosso dia de feira de ervas, frutas, o famoso mel que era o molho (mostarda e mel) das nossas saladas e verduras, na feira central de Campina Grande que é um dos meus lugares favoritos na cidade até hoje. Quando ele nos ligou e contou que ela estava entrando em trabalho de parto, corremos pra lá com a câmera na mão e muitas sacolas de feira, as mascaras a tira colo e muito álcool em gel.

Na semana passada, comecei uma longa jornada até Brasília com dez companheiros do Levante Paraíba, no ônibus do Levante RN com outras forças políticas além da nossa. Provavelmente você se lembra de quando entrei no levante, é uma das minhas cartas mais longas (não está pública, quem sabe um dia rs). Essa viagem foi uma síntese do que queria ter vivido em 2019 no conune* que meus pais me impediram de ir, respeitei o tempo deles na época e também o meu. Estava confusa ainda com tantas mudanças ao mesmo tempo, fazia só seis meses que estava morando em outro estado longe dos meus melhores amigos, minha vó Luzia, tinha só um ano que você tinha partido e tinha perdido Shay fazia apenas quatro meses e no meio do carnaval. Provavelmente não teria aproveitado nada, estava numa espiral de lutos e ainda tinha tanto medo de viver.

Essa viagem aconteceu das coisas mais incríveis, as piores possíveis como tudo dentro do movimento estudantil. É preciso muita firmeza para não se apegar as contradições e não desistir de construir no meio do caminho, mas felizmente depois de muitas temporadas desilusões com as pessoas, a gente aprende que elas só estão no tempo delas. E nem sempre esse tempo ou maturidade é ou está para todo mundo.

De todas as coisas que me afetaram, seja positiva ou negativamente, com certeza a melhor delas foi ter dandarinha presente comigo, dando pequenos sorrisos, cantando e dançando com a batucada.

foto: Andresa Costa (arquivo pessoal)

Me lembrando o porque e como é bom estar viva e organizada no Levante.

Construir essa organização sem dúvidas a melhor coisa que já me aconteceu durante a graduação, reafirmar isso ouvindo as companheiras da Paraíba que foram diretoras da une e vice-presidentas, especialmente Daia que era o nome da próxima gestão e que foi para todos nós da Paraíba desde o final de 2019 a nossa maior referência do movimento estudantil como presidenta do DCE da UFCG. E, sim, ainda espero eleger Daia Presidenta do Brasil um dia, agora parece ainda mais real esse desejo.

O compromisso do Levante Popular da Juventude com a construção da entidade transcende todas as linhas e definições de juventude e é muito bonito construir um movimento social que organiza a frente estudantil, mas não só ela, pois me dá a certeza que se chegarmos num momento em que a UNE deixe de existir por qualquer que seja razão da conjuntura política, o Levante ainda vai continuar existindo. Nós temos não só um projeto político que pensa numa vida digna para a juventude, mas também almejamos um projeto de país que caiba os sonhos do povo, da classe trabalhadora e isto só basta.

Ter aspirações coletivas e não apenas individuais endurece a gente, mas espero não perder a ternura.

Afinal, a única luta que se perde é a que se abandona.

Com amor e saudades, Andresa.

Glossário e referências

Conune: congresso da união nacional dos estudantes (une) para construir a próxima diretoria da entidade pelos próximo biênio.

Levante Popular da Juventude: é um movimento que luta por projeto popular para o Brasil e de vida digna para a Juventude. Estamos nas escolas, periferias, universidades e no campo, na luta por um Brasil que caiba os sonhos da juventude da classe trabalhadora.

Conheça o levante @/ levantedajuventude
Site https://levante.org.br/

A única luta que se perde é a que se abandona é uma frase de Carlos Marighella.

É preciso endurecer sem perder a ternura é uma frase de Che Guevara.

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